1. INTRODUÇÃO
Percebe-se atualmente um expressivo movimento em busca da qualidade. As organizações têm de produzir produtos e serviços de qualidade, não mais como uma estratégia de diferenciação de mercado, mas como uma condição de preexistência. Engana-se quem pensa que a preocupação com a qualidade dos produtos oferecidos aos clientes é coisa recente, pois o código de Hamurabi (2150 a.C.) já demonstrava uma preocupação com a durabilidade e funcionalidade das habitações produzidas na época, de tal forma que, se um construtor negociasse um imóvel que não fosse sólido o suficiente para atender à sua finalidade e desabasse, ele, construtor, seria sacrificado.
Qualidade é claramente um assunto importante no desenvolvimento de produtos para fins empresariais. Mas qual o caminho para um produto de qualidade? Como atingir a qualidade do produto? Além de responder a estas perguntas, este artigo pretende demonstrar a importância dos processos para a geração de um produto, considerando três modalidades de qualidade: de produto, de processo e de projeto. Embora o foco principal do artigo seja a qualidade nos processos e de projeto não podemos descartar a qualidade do produto.
Além disso, qualidade de software, garantia da qualidade e custo da qualidade também são assuntos deste artigo, complementando a ideia de atingir a qualidade através de processos bem definidos e deixando de lado apenas a inspeção do produto final.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. Qualidade: Produto X Processo
Qualidade tornou-se claramente operacional, ou seja, é a conformidade às especificações. A definição é operacional porque demonstra com clareza o objetivo do processo de produção e como deve ser realizado. Trata-se de reproduzir de modo preciso um bem ou serviço, cujas características importantes para as aplicações cogitadas estão claras e explícitas em especificações acintosamente preparadas. Quem vai produzir sabe exatamente o que deve fazer. Não só os componentes do produto como também seus processos de produção e testes estão previstos e planejados na sua forma de execução.
Um princípio central da moderna gestão de operações, diversas vezes constatado no cotidiano, diz que, se o processo estiver bem projetado, e for bem executado, o produto também sairá sempre de acordo com o especificado. A conformidade à especificação é uma definição operacional porque busca garantir que a operação reproduza sempre o mesmo bem ou serviço.
Qualidade do produto: é a rigorosa definição das características relevantes do produto, estabelecendo os atributos e as variáveis que deve conter cuja dimensão deve ser assegurada. A especificação é o documento que formalizará essas definições.
Há duas formas de alcançar a conformidade à especificação. Uma é a inspeção final rigorosa que segrega os produtos sem qualidade. Essa é uma alternativa cara, já que espera o consumo de material, capital, mão de obra para, só ao final do processo produtivo, separar o bom produto. Gera imenso desperdício. A outra possibilidade é introduzir a qualidade ao longo do processo produtivo, desde a verificação da conformidade dos insumos até suas especificações, evitando a cada fase a má qualidade.
A qualidade no processo procura identificar a má qualidade o quanto antes, o que é feito pelo controle da conformidade à especificação, e corrigir o problema, evitando que continue o desperdício até o fim. Para garantir a conformidade à especificação ao longo do processo, é necessário especificar como executar atividades e seus resultados e controlar sistematicamente todo esse processo que irá atingir a qualidade. É preciso ainda identificar e eliminar as fontes da má qualidade, mediante alterações apropriadas no processo, ou seja, nas especificações de suas atividades. Para tornar isso viável, surgiram os sistemas formais da qualidade, como por exemplo, a série de normas ISO 9000, CMM, MPS.BR e outras.
Qualidade de processo: é a rigorosa especificação dos processos que serão realizados na produção de um bem ou serviço, incluindo as faixas de tolerância desejada dos resultados.
Aqui aparece Joseph Moses Juran com sua famosa definição de qualidade como adequação ao uso. Fica assim expressa a existência de um sujeito, que vai receber o bem ou serviço, cujas necessidades de uso precisam ser satisfeitas. Com o conceito de adequação ao uso, Juran explicita que o produto deve cumprir as funções básicas que resolvem os problemas do cliente e, ao mesmo tempo, atender às características conexas como nível de desempenho, durabilidade, pouca manutenção e facilidade de uso, entre outras.
Abaixo, suas famosas perguntas realçam essa perspectiva e apontam suas consequências para os processos de produção:
- Quem são os clientes visados?
- O que desejam e necessitam?
- O que tais necessidades significam para os produtos e processos?
- Quais características devem ter um produto/serviço para satisfazê-las?
- Como fabricar esse produto ou prestar esse serviço?
Com isso, vemos que o conceito de adequação ao uso também se dirige para a qualidade no processo. A qualidade não pode ser alcançada apenas com a verificação de conformidade dos resultados parciais em pontos escolhidos do processo. A qualidade no processo é mais que isso. Exige que os processos sejam concebidos de forma a maximizar a produção de bens e serviços que atendam às especificações. Nasce a qualidade total. A preocupação é garantir qualidade em cada atividade realizada no processo de produção e evitar erros, de modo a produzir certo da primeira vez e até eliminar a necessidade de inspeções, as quais perdem sentido quando cada etapa entrega seus resultados sem defeitos para a etapa seguinte e se implanta um processo explícito para melhorar sistematicamente os processos, de modo a sempre aumentar a qualidade no processo.
Qualidade total: é a preocupação com a qualidade em todas as atividades da empresa, buscando sistematicamente o zero defeito pela melhoria contínua dos processos de produção.
Os princípios da Qualidade Total estão fundamentados na Administração Científica de Frederick Taylor (1856-1915), no Controle Estatístico de Processos de Walter A. Shewhart (1891-1967) e na Administração por Objetivos de Peter Drucker (1909-2005). Seus primeiros movimentos surgiram e foram consolidados no Japão após o fim da II Guerra Mundial com os Círculos de Controle da Qualidade, sendo difundida nos países ocidentais a partir da década de 1970.
O termo TQM (Total Quality Management ou Gerenciamento da Qualidade Total), amplamente usado nas organizações, também descreve uma abordagem para a melhoria da qualidade. De acordo com Kan (2002), "O termo tem tomado vários significados, dependendo de quem interpreta e como se aplica." (KAN, 2002, p. 30). Independente dos seus vários tipos de implementação, os elementos chave do TQM podem ser resumidos conforme Figura 1, abaixo:
Figura 1: Elementos chave do Gerenciamento da Qualidade Total (TQM).
a) Foco do Cliente (Customer Focus) - O objetivo é atingir a satisfação total do cliente. O foco do cliente inclui o estudo das necessidades e vontades do cliente, coleta de requisitos do cliente e a medição e gerenciamento da satisfação do cliente.
b) Melhoria de Processo (Process Improvement) - O objetivo é reduzir as variações de processo e atingir a melhoria da qualidade contínua. Este elemento inclui ambos os processos de negócio e o processo de desenvolvimento do produto. Através da melhoria de processo, a qualidade do produto será reforçada.
c) Lado Humano da Qualidade (Human Side of Quality) - O objetivo é criar a cultura de qualidade por toda a empresa. As áreas de foco incluem liderança, apoio da alta gerência, participação total de todos os colaboradores da empresa, e outros fatores humanos como sociais e psicológicos.
d) Métricas, Modelos, Medições e Análises (Metrics, Models, Measurement and Analysis) - O objetivo é direcionar a melhoria contínua em todos os parâmetros da qualidade por um sistema de medição orientado a metas.
Na organização moderna, portanto, qualidade significa simultaneamente adequação ao uso, conformidade às especificações e qualidade total no processo. Chega-se assim ao ponto que nos interessa. O processo de gerar as especificações de um produto chama-se desenvolvimento do produto. Por meio desse processo, necessidades e desejos do cliente, muitas vezes denominados requisitos, são transformados em especificações do produto e do processo. Tais especificações devem definir com rigor as características do produto e do processo que permitirá reproduzi-las. Isso implica adequação das especificações ao ambiente operacional de produção ou aos requisitos de manufaturabilidade. Como outro objetivo explícito, permite ainda alcançar baixos custos unitários.
Há muita evidência apontando o alto impacto do projeto do produto sobre a qualidade e os custos do produto. Não há uma estimativa consensual desses números, mas é comum entre especialistas avaliar que 60% a 80% dos custos unitários e da qualidade final do produto são estabelecidos no projeto, sobrando o restante para o processo de melhoria contínua.
Assim, na essência da qualidade de produto está a qualidade do processo de produção. E ambas dependem de uma boa qualidade de projeto, sem a qual se corre o risco de não alcançar nível suficiente de adequação ao às necessidades do cliente.
Qualidade de projeto: é a competência que uma organização apresenta de conceber e desenvolver produtos e processos de forma a alcançar a satisfação do cliente, com custos e prazos compatíveis.
2.2. Qualidade de Software
Diante dessa complexidade na definição da palavra qualidade, Pressman (2005) sugere que a qualidade de software seja colocada em prática e não somente uma ideia ou desejo que uma organização venha a ter. Para tanto, Pressman (2005) faz as seguintes colocações sobre qualidade de software:
a) "Definir explicitamente o termo qualidade de software, quando o mesmo é dito"; (PRESSMAN, 2005, p. 193).
b) "Criar um conjunto de atividades que irão ajudar a garantir que cada produto de trabalho da engenharia de software exiba alta qualidade"; (PRESSMAN, 2005, p. 193).
c) "Realizar atividades de segurança da qualidade em cada projeto de software"; (PRESSMAN, 2005, p. 193).
d) "Usar métricas para desenvolver estratégias para a melhoria de processo de software e, como consequência, a qualidade no produto final"; (PRESSMAN, 2005, p. 193).
Sendo assim, a busca constante pela qualidade não se faz apenas no começo do projeto ou no seu final realizando testes, mas sim e um processo que visa abranger toda a engenharia de software bem como a colaboração de todos os membros do time do projeto.
Uma possível definição mais abrangente e completa para qualidade de software seria a proposta por Bartié (2002): "Qualidade de software é um processo sistemático que focaliza todas as etapas e artefatos produzidos com o objetivo de garantir a conformidade de processos e produtos, prevenindo e eliminando defeitos". (BARTIÉ, 2002, p. 16).
Alguns modelos de qualidade de software também são citados por Pressman (2005). Há o que McCall e Cavano (1978) sugerem como métricas para qualidade de software. Conhecido como Fatores da Qualidade, estes fatores avaliam o software em três pontos distintos: Transição do Produto, Revisão do Produto e Operação do Produto. Na Figura 2 são mostrados os Fatores da Qualidade de McCall:
Figura 2: Os Fatores da Qualidade (McCall).
Colocando-se todos esses conceitos dentro do contexto apresentado, podemos dizer que "qualidade não é uma fase do ciclo de desenvolvimento de software... é parte de todas as fases". (BARTIÉ, 2002, p. 16)
Portanto, é necessário um planejamento adequado para que a qualidade de software seja atingida, conforme a definição de qualidade que deverá ser alcançada. Para isso são necessários modelos, padrões, procedimentos e técnicas para atingir essas metas de qualidade propostas. Para tanto, todas as etapas do ciclo de vida de engenharia de software devem ser contempladas com atividades que visam garantir a qualidade tanto do processo quanto do produto.
2.3. Garantia da Qualidade
Podemos definir como Garantia da Qualidade (Quality Assurance) o conjunto de atividades de apoio para fornecer confiança de que os processos estão estabelecidos e estão continuamente melhorados para produzir produtos que atendam as especificações e que sejam adequados para o uso pretendido.
Portanto, isso consiste em realizar a qualidade tanto do processo quanto to produto. No processo, podemos quantificar a sua qualidade através de métricas para qualidade e no produto com as técnicas de verificação e validação. Essas atividades podem ser, por exemplo, avaliações como as citadas pela ISO 9000, auditorias, inspeções formais, testes, revisões. Ainda no processo podemos usar os métodos de garantia da qualidade no formato de auditorias e reportes para a alta gerência, além de avaliações constantes do processo e análise estatística de controle do processo. No produto os métodos de garantia da qualidade são revisões, inspeção formal e testes, além de revisão dos resultados do teste realizada por profissionais altamente capacitados, auditorias do produto e testes realizados pelo cliente.
Não podemos confundir os conceitos e a aplicação dos termos Controle da Qualidade (Quality Control) e Garantia da Qualidade (Quality Assurance). Embora usados erroneamente em muitos lugares, ambos os termos têm propósitos totalmente diferentes.
Vejamos a Tabela 1 que mostra a diferença entre estas duas atividades:
Garantia da Qualidade |
Controle da Qualidade |
a) Garantia da qualidade garante que o processo é definido e apropriado.
b) Metodologia e padrões de desenvolvimento são exemplos de garantia da qualidade.
c) Garantia da qualidade é orientada a processo.
d) Garantia da qualidade é orientada a prevenção.
e) Foco em monitoração e melhoria de processo.
f) As atividades são focadas no inicio das fases no ciclo de vida de desenvolvimento de software.
g) Garantia da qualidade garante que você está fazendo as coisas certas e da maneira correta. |
a) As atividades de controle da qualidade focam na descoberta de defeitos em i específicos.
b) Um exemplo de controle da qualidade poderia ser: "Os requisitos definidos são os requisitos certos?".
c) Controle da qualidade é orientado a produto.
d) Controle da qualidade é orientado a detecção.
e) Inspeções e garantia de que o produto de trabalho atenda aos requisitos especificados.
f) As atividades são focadas no final das fases no ciclo de vida de desenvolvimento de software.
g) Controle da qualidade garante que os resultados do seu trabalho são os esperados conforme requisitos. |
Pode-se afirmar que o teste de software é uma das atividades de controle da qualidade, ou seja, o teste de software é orientado a produto e está dentro do domínio do controle da qualidade.
2.4. Qualidade segundo PMBOK
O PMBOK (Project Management Body Of Knowledge) do PMI (Project Management Institute), na versão 2004, apresenta o gerenciamento da qualidade do projeto:
Figura 3: Gerenciamento da Qualidade segundo o PMBOK 2004.
De acordo com o PMBOK (Project Management Body Of Knowledge) do PMI (Project Management Institute), na versão 2004, os processos de gerenciamento da qualidade do projeto detêm todas as atividades da organização executora que determinam as responsabilidades, os objetivos e as políticas de qualidade, de modo que o projeto atenda às necessidades que motivaram sua realização. Eles desenvolvem o sistema de gerenciamento da qualidade através da política, dos procedimentos e dos processos de planejamento da qualidade, garantia da qualidade e controle da qualidade, com atividades de melhoria contínua dos processos conduzidas do início ao fim, conforme adequado.
Com isso os três principais processos são:
a) Planejamento da Qualidade: Identificação dos padrões de qualidade relevantes para o projeto e determinação de como satisfazê-los.
b) Garantia da Qualidade: Aplicação das atividades de qualidade planejadas e sistemáticas para garantir que o projeto emprega todos os processos necessários para atender aos requisitos.
c) Controle da Qualidade: Monitoramento de resultados específicos do projeto a fim de determinar se eles estão de acordo com os padrões relevantes de qualidade e identificação de maneiras de eliminar as causas de um desempenho insatisfatório.
Há diversas semelhanças entre os conceitos usados no PMBOK e os conceitos da própria ISO. Com isso, é possível ainda relacionar estes três processos do PMBOK com as definições de qualidade de processo, qualidade de projeto, controle da qualidade e garantia da qualidade.
3. CONCLUSÃO
Vimos que a qualidade de produto voltada apenas para a inspeção, ou seja, verificação das especificações somente após o produto estar pronto (inspeção), não é uma boa prática, pois perdemos todo o controle da qualidade durante o processo de desenvolvimento do produto, acarretando em retrabalho e maior custo.
A qualidade de processo é aparentemente uma opção muito boa, devido sua avaliação da conformidade ser constantemente avaliada, mas precisamos ter em mente a importância de juntar os conceitos de qualidade de processo com qualidade total, de projeto e outras a fim de obter a qualidade total do produto, utilizando padrões e um bom planejamento.
REFERÊNCIAS
OLIVEIRA, OTAVIO J. Gestão da Qualidade - Tópicos avançados. Cengage Learning Editores, 2006.
PMI. Um Guia de Conhecimentos em Gerenciamento de Projetos - Guia PMBOK. EUA, PMI, 3ª edição, 2004.
QUALIDADE TOTAL. http://pt.wikipedia.org/wiki/Qualidade_total.